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O uso inconsequente do termo “terrorismo” e o perigo à própria esquerda

  • 25-01-2023 18:30

No domingo seguinte à posse do Presidente Lula (PT) (08), uma série de ataques e de-predações perpetrados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) devastou a Praça dos Três Poderes em Brasília, que ficou sob poder dos vândalos desde as 13h, horário local, até cerca de 22h, quando a Polícia Militar e o Exército conseguiram esvaziar a área.

Como resultado da investida, diversos itens únicos tanto do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal foram destruídos, desde artefatos históri-cos (como o relógio do relojoeiro francês Balthazar Martinot, dado de presente pelo Rei da França Luís XIV a Dom João VI, membro da Côrte Portuguesa que trouxe a peça ao Brasil ainda no século XVIII) até exemplares valiosos de grandes artistas nacionais (como a tela ‘Mulatas’, de Di Cavalcante, que era avaliada em R$ 8 milhões de reais e foi esfaqueada).

Ainda nas primeiras horas do ataque, alguns veículos de mídia começaram timidamen-te a se referir aos ataques como ‘terrorismo’, ainda que a grande maioria preferisse termos como ‘protestos’, ‘manifestações’ e ‘vandalismo’. Até que, nas primeiras horas da noite, em seu primeiro pronunciamento oficial sobre o ocorrido, o Presidente Lula se referiu expressa-mente aos vândalos como ‘terroristas’, fazendo com que, em seguida, todos os jornais adotas-sem a palavra.
Posteriormente, outros membros dos Três Poderes, como o Ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), e a Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, também se referi-ram aos participantes do ato como ‘terroristas’, acabando por endossar a utilização do termo pelo Presidente Lula e o popularizando de vez; ainda que outros, como o Presidente da Câma-ra, Arthur Lira (PP), e o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), preferissem classificá-los como ‘vândalos’ e ‘golpistas’.

Antes disso, no entanto, a única percepção do grande público sobre terrorismo era aquela associada a grupos como a Al Qaeda e o Estado Islâmico (ISIS), conhecidos por decapi-tar inimigos, derrubar aviões, explodir carros, prédios e pessoas. Diferente disso, no entanto, os vândalos de Bolsonaro apenas depredaram patrimônio, sem vitimar nenhuma pessoa. Dito isso, a primeira indagação que se faz é: eles são mesmo terroristas?

A fim de justificar o uso desse termo, há diversas teorias que buscam explicar o seu ca-bimento: a primeira delas caracteriza os ataques de Brasília como ‘terrorismo político’, visto que o objetivo deles seria propagar o caos institucional e impor sua ideologia política sobre a dos demais. A segunda delas vai além, cunhando o ‘terrorismo cultural’, que se baseia na estra-tégia dos vândalos de destruir itens valorosos e históricos na tentativa de enviar uma mensa-gem de insatisfação às autoridades.

O problema destas duas teorias é justamente que, caso fossem acatadas, serviriam pa-ra enquadrar como terrorismo também outros protestos ocorridos anteriormente, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), que se levantou contra a herança escravagista, o racismo e a violência policial após a morte do estadunidense George Floyd em 2020.

Isso porque, ainda que não tenham provocado mortes, os manifestantes do Black Li-ves Matter também depredaram patrimônio, atearam fogo a prédios (como na delegacia do condado de Minneapolis, nos Estados Unidos) e destruíram itens históricos (como a estátua do comerciante de escravos Edward Colston, que ficava exposta em Bristol, na Inglaterra, e foi derrubada e jogada ao mar). Seriam eles, portanto, terroristas assim como os de Brasília, ainda que não tenham machucado ninguém?

O raciocínio oposto, porém, também faz refletir: um homem bomba do Estado Islâmi-co que explode e derruba um prédio, mas não faz nenhuma vítima, deixa de ser terrorista pelo único fato de não ter tirado a vida de ninguém, mas apenas ter danificado patrimônio? A res-posta, por óbvio, é não, porque o que define se um ato é terrorista é a intenção do agente.

Diante disso, questiona-se: a intenção dos vândalos de Brasília era espalhar o terror? Acreditamos que sim, mas há quem defenda que não. E ainda que se considere que sim, qual era o objetivo final desta propagação de terror? No caso de grupos terroristas a exemplo da Al Qaeda e do Estado Islâmico, os objetivos são claros, como dominar o Oriente Médio, vingar-se do Ocidente e expulsar os Estados Unidos da região.

A primeira resposta a que se chega para essa pergunta é o golpe, denominado pelos manifestantes como ‘intervenção das Forças Armadas’. Mas, para isso, qual era o plano? Mesmo com a demora da polícia e do exército em agir para reprimir os ataques, os vândalos não fizeram nada além de depredarem o patrimônio público.

Sendo assim, a única conclusão a que se chega é de que o objetivo final dos vândalos era somente destruir tudo. Ao que parece, eles queriam, sim, dar um golpe (caso pudessem), mas como não podiam e nem tinham meios para tanto, os vândalos de Bolsonaro queriam apenas propagar o caos, vingar-se do sistema pela derrota que sofreram nas eleições e mandar um recado de insatisfação com o sistema.

Isso é terrorismo? Caso a resposta seja ‘sim’, as manifestações do Black Lives Matter, em alguma medida, também seriam.

No final das contas, o que se está tentando mostrar é que o termo ‘terrorismo’ é muito vago e manipulável, sendo um servo de muitos donos, que podem utilizá-lo como bem enten-derem a fim de enquadrar qualquer manifestação ou levante social que os desagrade. É aqui que entra o perigo à própria esquerda, que agora está protegida pelo aparato do Estado, visto que se encontra atualmente na Presidência da República, sob o manto de Lula.
Contudo, seja em um futuro próximo ou em um futuro distante, a direita retornará ao poder como consequência da própria democracia, momento no qual a esquerda perderá a proteção de que dispõe agora e ficará suscetível ao mesmo perigo que a extrema direita en-frenta atualmente: ser classificada como terrorista ao se manifestar contra o governo e contra as instituições.

Por fim, especificamente sobre os eventos de Brasília no último dia 08, a classificação que parece mais adequada e menos perigosa é a de que se tratou de um ataque de vandalis-mo, que se caracteriza justamente pela destruição da propriedade pública ou privada (incluin-do itens culturais e históricos) de forma intencional, com o objetivo de causar ruína. É exata-mente este o caso dos apoiadores de Bolsonaro.

Contudo, independente do termo atribuído, este tipo de manifestação não pode ja-mais ser endossado, principalmente quando for contrário à democracia e ao Estado democráti-co de direito. Apesar disso, é preciso ter cautela ao alargar leis e equiparar novas condutas ao terrorismo, em atenção ao risco de que, no futuro, toda e qualquer manifestação social, de esquerda ou de direita, seja classificada como terrorista unicamente por ser contrária ao go-verno vigente.

Por: Roberta Yllenid

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